Artigo

A amizade como justa medida

Por Paulo Rosa
Médico do SUS, doutorado em Psicologia Clínica, Buenos Aires
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Quem de nós não anda à cata da justa medida? Em qualquer âmbito do fazer humano ela, a justa medida, se faz indispensável. Ainda, é ela um sine qua non para que nos coloquemos da maneira o mais humanamente precisa, de modo que ao executarmos tarefa, interagirmos com outros seres, expressarmo-nos no campo da arte ou da ciência, possamos alcançar a condição exata para o melhor desempenho e o mais elevado resultado. Em um exemplo aparentemente banal - a mãe que serve a comida para seu filho - faz toda a diferença que encontre ela a quantidade suficiente, os ingredientes necessários, o modo de preparo preciso, o ambiente propício para bem comer. Só então o bebê, ante à singela/complexa experiência, poderá alcançar, incorporar, nutrir-se (sentido amplo), de modo a endereçar-se a um futuro que o leve a desenvolver seu potencial maior.

Já na Antiguidade os autores se ocupavam da questão e faziam o contraponto entre a medida relativa e a justa, reservando a esta o nível elevado, aquilo a ser permanentemente buscado. Tò méson significa, no grego clássico, o meio, a justa medida, o ponto de equilíbrio, a média e também a posição ponderada, que não recai em extremos. No meio está o centro, local de convergência, a referência que pode ser acessada e compartilhada plenamente' (F. Marshall, 2023). O que caracteriza a justa medida é esta fuga dos extremos, permeada pela ponderação, pela prudência, pela capacidade de ouvir antes de pensar e, mais ainda, antes de agir. É quando o sujeito está centrado em si, mas sem arroubos narcísicos, e centrado em simultâneo no outro, de modo que desta visão dupla se possam delinear caminhos para atitudes, gestos, pensamentos, em suma, ações que sejam criativas, relevantes, inovadoras.

Em um primeiro momento vinha tomando a clínica médica como parâmetro, como modelo para estudo sobre a justa medida. Esta ideia me foi sugerida pelo médico hipocrático Rui Mota Cardoso, do Porto, Portugal, e que segue vigente e de fundamento. Um clínico na justa medida é luz para o paciente. É quando o paciente se encontrará com diagnósticos mais completos e se envolverá com ações médicas mais abrangentes e ponderadas. Um ideal. Um porvir.

Com o tempo, entretanto, passou a interessar-me que a amizade fosse tomada como prototípica da justa medida, já que é ela o tipo de sentimento universal, portanto, mais facilmente reconhecível e de maior abrangência e acesso ao sujeito ordinário. Assim, é afeto mais estável em comparação ao amor romântico ou sexual, tem efetivo potencial duradouro. O único amor que não termina, no dizer certeiro e irônico de Mario Quintana. Além disso, a amizade, vista como justa medida, abre uma dimensão inestimável de estudo, pois dá espaço a buscar em pormenor não só a relação com o mundo, mas consigo mesmo. Campo ainda pouco explorado. Ser amigo de si e do outro simultaneamente, uma justa medida.


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